Poder de compra dos gaúchos cai 9,16% desde o início da pandemia
Mesmo que a taxa de desocupação no mercado de trabalho gaúcho chegue a 6% e esteja em patamares menores do que os registrados nos primeiros momentos das restrições sanitárias, os rendimentos médios reais ainda são 9,16% inferiores aos apurados em igual período de comparação. No primeiro trimestre de 2020, eram de R$ 3.407 e nos três meses encerrados em setembro deste ano, R$ 3.095 – diferença de R$ 312, já descontada a inflação, segundo dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O valor a menos seria suficiente para arcar, por exemplo, com quase 42% do valor de uma cesta básica na Região Metropolitana de Porto Alegre, cotada a R$ 748,06, em setembro – a segunda mais cara do Brasil e que, de janeiro a outubro deste ano, teve alta de 9,54%. Custava R$ 682,90 no final de 2021, ou seja, determina, agora, uma redução extra ao já defasado ganho dos trabalhadores no RS.
No país, a situação geral é um pouco pior. Em nove meses, a redução média nos salários atinge 11,97% e permanece abaixo de R$ 3 mil. Já Santa Catarina mostra posição menos desconfortável – perde 7,13% (com salários de R$ 3.162) no intervalo. Paraná tem situação agravada, com ganhos médios em R$ 2.966, fruto de perda superior a 15% na capacidade de compra, resultado dos R$ 526 que deixam de ser recebidos mensalmente no comparativo válido para essa unidade da federação.
O quadro denota que a celebração da retomada dos níveis de emprego aos encontrados no pré-pandemia deve ser cautelosa. Isso porque a base de aceleração sobre a qual emergem as vagas no mercado recentemente não é capaz de ofertar remunerações à altura e gerar efeitos extensivos à economia e à qualidade de vida dos trabalhadores. Dos 5.885 gaúchos empregados até setembro, por exemplo, 1.852, ou o equivalente a 31,46%, estão na informalidade. No Brasil, a proporção supera os 40%.
E a tendência, apontam especialistas consultados por GZH, indica poucas possibilidades de reversão do panorama em curto prazo. Problemas estruturais ocasionados por histórica falta de qualificação da mão de obra (potencializados por danos educacionais de aprendizado na pandemia), pressões adicionais na inflação (por conta do desequilíbrio fiscal) e consequente freio da atividade econômica são alguns dos fatores que amparam as projeções pessimistas.
Movimento
Coordenador da Pnad no RS e pesquisador do IBGE, Walter Rodrigues explica que, nos momentos de crise, as primeiras baixas no mercado são os informais, trabalhadores que, via de regra, recebem menores remunerações do que se estivessem em idênticas posições, mas com registros em suas carteiras de trabalho. O movimento, diz, é caracterizado por breve melhora dos rendimentos médios (chegaram a R$ 3.462 no primeiro trimestre de 2021, alta 1,6% um ano após o início da pandemia no RS), mas que não se sustenta e decai com intensidade no transcorrer do tempo:
– O desemprego atinge primeiro os que ganham menos, sobram assim os maiores rendimentos para o cálculo da média salarial no primeiro momento. Quando a economia cresce um pouco e há muita gente fora da força de trabalho, é natural que se aceite menos para voltar, diminui-se a base novamente. Em cenários de aquecimento e maior qualificação ocorreria o inverso, e isso tornaria o trabalhador mais valorizado, empurrando os ganhos médios do trabalho para cima de maneira mais permanente.
Ele acrescenta que será preciso esperar as próximas divulgações da Pnad. Mas avalia que o horizonte para os resultados do último trimestre deste ano, ou início de 2023, descontadas as contratações temporárias do período (também com rendimentos menores do que os formais), traz a percepção de que haverá ainda perda de tração na criação de novas vagas.
Desigualdades ampliadas
O economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS Ely José Mattos afirma que em ambientes como o enfrentado recentemente no Brasil – de queda acentuada dos empregos provocada pelas restrições de mobilidade na pandemia – trazem na bagagem o aprofundamento das desigualdades estruturais já existentes. O fato dificulta ainda mais a contenção do declínio da renda e a acomodação do mercado de trabalho.
Ele acrescenta que, de um lado, o patamar dos empregos exibe certa retomada, mesmo que fundamentada em baixa qualidade de vagas. Por outro, a atividade econômica continua descontada, em razão de pressões externas e internas. Sem políticas de incentivo, será complicado prever mudanças, diz.
Nesse contexto, a economista e professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Lodonha Maria Portela Coimbra Soares, lembra que, atualmente, a chamada classe A (rendimento mensal acima de R$ 22 mil) representa somente 2,8% da população. A Classe B, com 13%, recebe entre R$ 7 mil e R$ 22 mil por mês. Nas classes C (de R$ 2,9 mil a R$ 7 mil) e D/E (abaixo de R$ 2,9 mil), a queda dos rendimentos médios determina mobilidade social na direção exatamente inversa à desejável, em que existiria a ascensão entre as faixas e a redução de desigualdades. Pelo contrário, nesse caso, observa Lodonha, a pressão sobre os salários determina o retorno para as zonas de menor poder aquisitivo.
Isso acontece, segundo a economista, no momento em que a disponibilidade de mão de obra é escassa em funções de maior qualificação, a exemplo da demanda por profissionais de tecnologia da informação (TI), sobretudo para vagas em aberto na indústria. A situação, conclui, escancara as raízes do problema da falta de qualificação, quadro que demandaria atenção redobrada na educação de base, formação técnica e que não pode ser alterado da noite para o dia.
ZH