Sem impacto eleitoral, real se valoriza mais de 6% em relação ao dólar em 2022
No dia seguinte à votação do primeiro turno, o dólar registrou a maior queda diária (-4,09%), desde junho de 2018 e deu uma breve amostra daquilo com que os investidores estavam acostumados a conviver nos meses que antecedem a abertura das urnas: o aumento das oscilações na cotação da moeda norte-americana, pressionada pelas movimentações de campanha. No entanto, o episódio é, até agora, o único ao longo do embate entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), e foi incapaz de alterar a trajetória de apreciação do real no acumulado do ano, bem como a tendência de estabilidade ao longo do período eleitoral.
Sócio-diretor da Fundamenta Investimentos, Valter Bianchi Filho explica que, sempre que a Presidência está em disputa, as incertezas pairam no ar em decorrência das distintas propostas e perfis de um ou outro candidato. Na Bolsa de Valores, que busca alinhamento permanente com políticas mais liberais, esse tipo de ambiente costuma remunerar melhor aqueles investimentos mais expostos à dinâmica de riscos da corrida eleitoral. É o que se denomina de prêmio pelo risco.
No histórico das eleições brasileiras, entretanto, o câmbio tende a protagonizar esse processo, guiado por volatilidade (sobe e desce de precificações) e especulação na antessala da escolha do novo chefe do Poder Executivo. Em 2022, ainda que o pleito seja marcado pela polarização, os efeitos foram pouco sentidos, constatam os analistas consultados por GZH.
Na contramão das expectativas, o real exibe valorização de 6,37% sobre a moeda norte-americana no acumulado do ano, até o fechamento do mercado na terça-feira (11). De setembro até aqui, indiferente ao acirramento dos debates, a situação beira a estabilidade, com a leve alta do dólar (+1,37%), cotado a R$ 5,27 na véspera do feriado.
— No mercado, a gente está sempre em busca de novidade e volatilidade, todo mundo quer saber onde se posicionar. Já acompanhei movimentações pré-eleitorais em que os mercados estiveram sensíveis. Desta vez, após a redemocratização, seguramente é a menor volatilidade da história em períodos eleitorais. Isso demonstra que os investidores não estão tão preocupados com quem irá ganhar as eleições — resume o CEO da Top Gain, Alison Correia, analista que atua desde 2005 na Bolsa.
Histórico eleitoral
Para se ter uma ideia, em idêntico período de 2002, em meio à disputa que levaria Lula ao Palácio do Planalto pela primeira vez, o dólar sairia do patamar de R$ 3,03, no início de setembro, para R$ 3,92 em 11 de outubro daquele ano – elevação de 29,55%. Naquele ano, a apreciação da moeda norte-americana frente ao real acumulava 69,09%.
Roteiro menos intenso ocorreria em 2014, após dois pleitos de apreciações ou estabilidade para o real (em 2006 e 2010). Na ocasião, Dilma Rousseff (PT) concorria à reeleição e a elevação do dólar apontava para 2,89%, de janeiro a outubro. Na reta final, subiu mais: 7,77%.
Há quatro anos, antes de Bolsonaro chegar à Presidência, a moeda estrangeira surfava onda de apreciação (+13,24%), entretanto, a partir de setembro, inverteu a corrente e traçou o caminho inverso, caindo 9,25%. Em ambas as situações (2014 e 2018), as ações de companhias estatais, como Petrobras e Eletrobras (à época), acompanharam o rali cambial, o que ampliou os solavancos de especulação no mercado acionário.
Motivos da estabilidade
André Trein, sócio e coordenador de estratégias do Clube do Valor, comenta que esse histórico revela maior estresse no mercado em 2002, 2014 e 2018. Hoje, mesmo em recortes ampliados, como na comparação entre os acumulados entre setembro e outubro deste ano e igual intervalo de 2021, o indicativo é de estabilidade. Mas por que, afinal, 2022 tem sido diferente?
Ele afirma que o cenário externo se sobrepõe às eventuais pressões internas. Passa, diz, pela alta das commodities, que produz pressão inflacionária ao redor do planeta. De um lado, países desenvolvidos apertam o cerco monetário para conter o descontrole dos preços, elevam os juros e geram risco de recessão mundial. A fonte principal de desvalorização do real, no momento, é a ação do Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, agindo para combater a inflação no país e tornando o dólar uma moeda mais forte, atraindo recursos para lá. De outro, o Brasil coleciona três deflações (inflação em queda) consecutivas, iniciou antes a elevação da taxa Selic (juros básicos da economia) e continua a projetar crescimento para o PIB neste e no próximo ano:
— Apesar das eleições, o país é mais estável do que outros. Explica, em parte, o comportamento do câmbio, porque se olharmos para a eleição, tensa e com dois candidatos antagônicos, teoricamente era para o mercado estar mais nervoso. E a eleição já mostrou que a composição do Congresso mais alinhado com ideias liberais reduz o risco de qualquer medida desfavorável ao mercado.
Nomes conhecidos geram previsibilidade
Denilson Alencastro, analista da Geral Invest, acrescenta que, desta vez, os candidatos são conhecidos, razão pela qual afirma ser possível antecipar – com base no que cada um já fez (Lula, de 2003 a 2011, e Bolsonaro, desde 2019) – o que virá. Para ele, o fato serve de “tranquilizante” para a Bolsa de Valores e limita a volatilidade cambial a uma faixa restrita (entre R$ 5 e R$ 5,30) diferentemente do que ocorreu em outros anos.
— O dólar tem sido mais balizado por declarações do Fed, elevação dos juros dos Estados Unidos e da Europa. O Brasil é visto entre os emergentes como mais estabilizado, o que ajuda a manter a valorização do real, pois se capta mais investimento estrangeiro — afirma Alencastro.
Na mesma linha, Alison Correia, da Top Gain, lembra que o atual ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, goza de prestígio junto ao mercado. Na outra ponta, temores com uma eventual vitória de Lula e a consequente expectativa de rompimento com políticas liberais foram dirimidos aos poucos. Ele cita o ingresso de nomes como o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles e de economistas ligados à construção do Plano Real, como Pedro Malan e Armínio Fraga, no palanque petista, o que, de certa forma, ajudou a acalmar os ânimos dos investidores, argumenta.
Eleito deverá ser nova onda de apreciação do real
Alheio ao cenário eleitoral, o real tem se destacado sobre as moedas emergentes. Para Valter Bianchi Filho, a explicação está na cotação das commodities internacionais, balizada, atualmente, por preços elevados, o que auxilia na manutenção do dinheiro corrente do Brasil valorizado. Enquanto, no acumulado do ano, moedas de países desenvolvidos como euro (-15%), o iene japonês (-27%) e a libra da Inglaterra (-19%) depreciam frente ao dólar, o real registra apreciação de 6,37%.
O dólar fortalecido ante as demais moedas, acrescenta Bianchi, é desfavorável para todos, inclusive para os Estados Unidos, que perdem competitividade e se tornam caros. A perspectiva de crescimento é reduzida e se adiciona uma pitada extra de inflação na economia mundial, pois todas as compras em moeda norte-americana se tornam mais caras, esclarece Bianchi.
Eduardo Tellechea Cairoli, CEO da Privatto Multi Family Office, complementa que, nesse cenário, a robustez do real, além de limitar a volatilidade do câmbio nas eleições, denota que a economia nacional vai se beneficiar. Ele interpreta que, no momento marcado pela crise mundial, os mercados emergentes – caso do Brasil – passam a serem vistos como alternativa para alocação de recursos. O resultado: maior apreciação para a moeda nacional.
Já Bianchi credita o panorama positivo, em parte, ao mérito da agenda de exportações, e em outra, por um movimento de “devolução” do excesso da desvalorização do real entre 2020 e 2021, provocada por um ambiente de juros baixos (chegaram a 2%) que gerou uma fuga de capital estrangeiro da economia. Com menos dólares em casa, cresce a desvalorização, salienta.
Após a correção dos juros e do avançado processo de combate à inflação interna, o peso das eleições no mercado de câmbio é leve, comenta Bianchi, porque, a partir de agora, os prognósticos indicam projeção de queda para a moeda norte-americana. Ele conclui que, independentemente de quem vença as eleições, haverá o benefício de uma nova onda favorável no câmbio e cotações em níveis inferiores aos R$ 5 já frequentam as expectativas dos analistas:
— O presidente eleito pode até alegar que foi competente para baixar o câmbio no pós-eleição, mas o movimento não será pessoalizado, é o vento de fora que soprará mais forte. Se não houver “esbórnia” econômica, será possível e muito importante aproveitar esse momento.
ZH
Foto: Paulo Franken / Agencia RBS