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Entenda o que é o Código da Mulher, que pretende ser referência para vítimas de violência no RS

Delegada de polícia há quase duas décadas, sendo que em boa parte desse período atuou no enfrentamento à violência contra a mulher, a deputada Nadine Anflor (PSDB), em seu primeiro mandato na Assembleia Legislativa, surpreendeu-se ao deparar com o número de leis criadas no Rio Grande do Sul voltadas às vítimas desse tipo de crime. Foi daí que nasceu a ideia de compilar todas num único documento, que possa ser acessado com mais facilidade, e se tornar referência àquelas que são vítimas de violência doméstica e familiar no Estado.

No dia 11 de julho, a Assembleia Legislativa aprovou por unanimidade o projeto de lei, que depende agora do aval do governador Eduardo Leite. A expectativa é de que a proposta seja sancionada em breve e se torne uma espécie de Código de Proteção às Mulheres. Atualmente, constam nele 21 leis relacionadas aos direitos das vítimas de violência, que antes precisariam ser consultadas de forma avulsa, mas a intenção é que ele seja atualizado.

— Me dei conta que não adiantava fazer mais leis, precisava dar visibilidade ao que já existe para que tenha a eficácia que a gente quer. Quando tem a informação a mulher efetivamente está mais protegida. A gente vê pelos números de feminicídios: as mulheres que não denunciam são as que mais morrem (80,4% das vítimas de feminicídio em 2022 não tinham medida protetiva e quase metade não tinha registro anterior). As que estão sofrendo violência são as que têm menos informação ou não se encorajaram ainda — afirma Nadine, primeira mulher a chefiar a Polícia Civil do RS.

Na legislatura passada, Giuseppe Riesgo (Novo) e Any Ortiz (Cidadania) tentaram levar adiante proposta de teor semelhante, mas a iniciativa não avançou. Dessa vez, Nadine buscou apoio de todas as deputadas. Além dela, assinaram a proposta Adriana Lara (PL), Bruna Rodrigues (PCdoB), Eliana Bayer (Republicanos), Kelly Moraes (PL), Laura Sito (PT), Luciana Genro (PSOL), Patrícia Alba (MDB), Silvana Covatti (PP), Sofia Cavedon (PT) e Stela Farias (PT).

Sair do papel

Advogada e assessora de projetos na ONG Themis — Gênero, Justiça e Direitos Humanos, Rafaela Caporal concorda que essa consolidação das leis pode facilitar, de fato, o acesso à informação e se tornar uma ferramenta para auxiliar a mulher a quebrar o silêncio. Nos casos de violência doméstica, esse passo é considerado fundamental para que a vítima consiga pedir ajuda e chegar aos serviços de atendimento.

— Quando temos a difusão da informação, a partir de um prisma da educação, que conscientiza as mulheres sobre seus direitos, a gente faz com que elas, cientes deles, possam se fortalecer e escolher buscar apoio e romper o ciclo da violência. É importante que esteja articulada a rede de assistência, de proteção e a rede de enfrentamento à violência — afirma.

A advogada, pondera, por outro lado, que isso não garante o cumprimento da legislação. Entende que é necessário que a sociedade e os órgãos competentes, como os conselhos, estejam atentos para fiscalizar a aplicação dessas leis. É o caso, por exemplo, do abrigamento de mulheres, que está previsto em lei, mas que ainda enfrenta dificuldades e nem sempre as vítimas de violência conseguem ter acesso a esse tipo de serviço.

— Os abrigamentos são muito importantes para que as mulheres em situação de violência rompam com o ciclo. A ausência de um número suficiente de casas abrigo para as mulheres que oferecem local protegido e sigiloso impactam muitas vezes na não possibilidade de rompimento do ciclo de violência e não acesso aos serviços da rede de proteção. Essas mulheres que já se encontram numa grande vulnerabilidade, acabam ficando ainda mais fragilizadas — analisa Rafaela.

No RS, somente 15 cidades contam com casas de abrigo próprias. Os municípios não são informados pela Secretaria de Justiça Cidadania e Direitos Humanos por segurança, em razão de, por vezes, se tratar de cidades pequenas, o que permitiria que os agressores soubessem da existência delas. Segundo a secretaria, a “maioria dos municípios” também realiza convênios com empresas para abrigamento — o número neste caso não foi divulgado.

Nadine concorda que, além de tornar a informação mais acessível às mulheres, a intenção da iniciativa é justamente facilitar a fiscalização por parte dos deputados, e a busca por soluções para aqueles casos nos quais as leis não estejam saindo do papel.

— Temos 21 e pouquíssimas delas podemos dizer que estão funcionando ou que as mulheres saibam. É exatamente o grande objetivo. Primeiro precisamos fazer um pente-fino em todas as leis, entender os gargalos, porque não está funcionando. Está faltando investimento? Está falhando a rede? O nosso papel é de fiscalizar, não só legislar, é apresentar soluções, sugerir mudanças para os serviços estaduais. Se não está funcionando, vamos adequar — diz a deputada.

Políticas amplas

A advogada acrescenta que, aliado às casas de abrigo, é preciso pensar outras respostas de proteção às vidas das mulheres, e que o Estado articule outros meios que componham essa política mais ampla de enfrentamento à violência.

— Não é somente a denúncia, é necessária toda uma rede para que a mulher acesse o serviço que ela está precisando no momento, assistência, proteção. A própria Lei Maria da Penha traz algumas medidas assistenciais que as mulheres podem e devem acessar. Para a gente resolver essa questão é fundamental que tenha investimento, previsão orçamentária para execução de política pública para as mulheres — acrescenta Rafaela.

Cartilhas

A intenção daqui para a frente é usar os conteúdos que constam no Código da Mulher para criar cartilhas e outros informativos que possam ser distribuídos em ambientes como escolas, postos de saúde e delegacias. A Lei Maria da Penha, de 2006, também estará na cartilha.

Fique informada

Algumas das leis, já em vigor no RS, que constam na proposta aprovada pela Assembleia:

  • Capacitação

A Política Estadual de Formação e Capacitação Continuada de Mulheres para o Mundo do Trabalho, instituída pela Lei n.º 15.261, de 2019, prevê que as mulheres tenham acesso a cursos, projetos e programas, priorizando as chefes de família ou as vítimas de violência doméstica. Também autoriza que o Estado reserve para mulheres 50% das vagas em ações já existentes, em parceria com as esferas nacional e municipal, como o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e o Programa Nacional de Promoção do Acesso ao Mundo do Trabalho.

  • Matrícula na escola

Toda mulher vítima de violência doméstica e familiar tem direito de preferência de matrícula e transferência de matrícula de seus filhos, ou de crianças e adolescentes do qual tenha guarda definitiva ou provisória, nas escolas da rede estadual do RS. A mulher deve apresentar cópia do boletim de ocorrência ou cópia da decisão judicial que concedeu medida protetiva. O direito está previsto na Lei 15.843, de 2022.

  • Multa ao agressor

Como tentativa de inibir a violência contra a mulher, a Lei 14.659, de 2014, prevê multa para o agressor todas as vezes em que os serviços públicos de emergência forem acionados para atender uma mulher vítima de violência doméstica. A medida é uma forma de buscar ressarcimento ao Estado por despesas de acionamento dos serviços públicos de emergência. Os valores recolhidos por meio da cobrança de multas referidas devem ser revertidos para políticas públicas voltadas à redução da violência contra a mulher.

  • Cargo público

A Lei 15.827, de 2022, veda a nomeação para ocupação de cargo público de provimento efetivo, de cargo em comissão ou de agente político na administração pública direta ou indireta de quaisquer dos poderes e instituições públicas do Estado do RS de pessoa que esteja condenada judicialmente em qualquer pena prevista na Lei Maria da Penha. A vedação se inicia com a condenação em decisão transitada em julgado até o cumprimento da pena.

  • Casas de abrigo

Está previsto pela Lei 15.654, de 2021, que no Estado do RS devem ser disponibilizadas casas de abrigo, destinadas a acolher mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. As casas de abrigo devem conter infraestrutura para acolher também os filhos com menos de 18 anos. Além disso, as mulheres abrigadas devem receber assistência psicossocial, jurídica, de alimentação e estadia.

  • Vagas de emprego

O Executivo está autorizado a instituir programa que assegure às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar que estejam sob medida protetiva a destinação de 5% das vagas de emprego nas empresas prestadoras de serviços terceirizados de mão de obra, contratadas pelo Estado do RS, conforme a Lei 15.721, de 2021.

  • Monitoramento eletrônico

O agressor de violência doméstica e familiar contra a mulher pode ser obrigado a utilizar equipamento de monitoramento eletrônico como forma de fiscalização das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha. Apesar da Lei 14.478 ser de 2014, a medida só foi colocada em prática efetivamente neste ano, quando começaram a ser instaladas as tornozeleiras eletrônicas em agressores.

Fonte: Projeto de Lei 156, de 2023.

ZH

Foto: Assembleia Legislativa RS / Divulgação

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