Em ambiente marcado por tentativa de redução de custos e de economia que busca fôlego, o trabalho intermitente, um dos principais produtos da reforma trabalhista, segue avançando no Rio Grande do Sul. Esse modelo cresceu 116,3% no acumulado deste ano até setembro ante o mesmo período de 2022. Os dados fazem parte da mais recente divulgação do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), organizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Possibilidade de reduzir gastos com mão de obra e instabilidade na economia abrem espaço para esse salto, segundo especialistas.
O Estado abriu 6.885 postos com carteira assinada sob regime de trabalho intermitente de janeiro a setembro. O montante representa 3.702 vagas a mais do que o observado no mesmo período do ano passado. No país, o cenário é diferente, com desaceleração na criação de postos (veja no gráfico).
O trabalho intermitente prevê a prestação de trabalho não continuada. Ou seja, o contratante aciona o empregado de acordo com a demanda. Por sua vez, o trabalhador recebe de acordo com os dias e horas trabalhados.
Pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), da Universidade Estadual de Campinas (SP), José Dari Krein avalia que o avanço do modelo está ligado a uma questão de redução de custos. Esse movimento ocorre em um mercado desorganizado, com excedente de força de trabalho, salários baixos e rotatividade, conforme Krein.
— É muito mais uma estratégia das empresas para uma forma de contratação mais barata. A partir do momento que existe essa possibilidade, as empresas estudam qual é a forma menos custosa de mobilizar a força de trabalho para realizar a atividade econômica — pontua Krein.
Cautela
O economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Porto Alegre, Oscar Frank, afirma que o cenário econômico dos últimos anos também ajuda a explicar o salto do trabalho intermitente no Estado em um ambiente onde a média nacional desacelera. Com alguns tombos na atividade, esse tipo de regime acaba sendo uma alternativa menos onerosa, segundo o especialista:
— Os últimos anos no Estado foram difíceis. Tivemos duas estiagens extremamente graves. E o trabalho intermitente é especialmente benéfico nesses momentos de instabilidade econômica, porque propicia a geração de contratações que talvez não seriam feitas se não existisse essa modalidade.
Economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e especialista em mercado de trabalho, Lúcia Garcia diz que a dinâmica econômica atual também ajuda a explicar a alta dos intermitentes. Com famílias cada vez mais endividadas e inadimplentes e incerteza sobre recuperação sustentada da economia em um futuro próximo, segmentos ligados ao consumo desse público adotam cautela na hora de investir na mão de obra, optando por esse tipo de contratação, segundo a especialista:
— As pessoas conseguem emprego, têm renda, mas esse valor está cobrindo dívidas. Não está gerando consumo. Se não gera consumo, o empresário que vende produtos ou serviços para a massa trabalhadora não tem expectativas promissoras. E sem isso ele não contrata.
O modelo
No trabalho intermitente, a prestação de trabalho é não contínua e permite a alternância de períodos de trabalho e de inatividade.
O empregado tem carteira assinada e direitos trabalhistas com repasse proporcional, como depósitos do FGTS e recolhimento das contribuições previdenciárias.
Na prática, o empregador chama o funcionário de acordo com a demanda de serviço e o contratado recebe proporcionalmente pelas horas e dias trabalhados.
Na concepção desse regime, uma das ideias era achar uma alternativa à informalidade.
Liderança do setor de serviços
Abrindo os dados por setores, serviços abocanham quase todas as vagas geradas nesse ramo de contratação. Frank, da CDL Porto Alegre, afirma que isso é natural, levando em conta as características desse segmento:
— Com a própria magnitude do setor de serviços em termos absolutos, faz todo o sentido que isso seja transportado para o trabalho intermitente. E há setores, que, pelas próprias características, por serem bastante sazonais, acabam aproveitando essa oportunidade.
Dentro de serviços, ramos ligados à organização de eventos, aos transportes e à alimentação fora de casa, incluindo bares, são os destaques na contratação de mão de obra intermitente.
Especialistas afirmam que essas atividades são muito dependentes da demanda.
Impactos na economia
Mesmo em alta e com aumento na participação das contratações, o trabalho intermitente ainda ocupa parcela pequena do total de empregos gerados. Esse regime responde por 12,72% do total de postos com carteira criados neste ano no Estado.
O economista-chefe da CDL Porto Alegre diz que esse modelo de emprego ajuda trabalhadores e empregadores. Na parte dos empresários, garante segurança jurídica para planejar o acionamento do colaborador de acordo com a demanda, melhorando a eficiência econômica.
— Pelo lado do trabalhador, contribui para gerar emprego e renda dentro de um ambiente de formalização. O trabalhador tem toda a teia de proteção do INSS, recolhe FGTS – complementa.
Já José Dari Krein, do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, da Unicamp, afirma que o intermitente aumenta a incerteza e insegurança em relação à remuneração do trabalho. Isso acaba freando o avanço da economia, segundo o especialista.
— Isso afeta negativamente a possibilidade de as pessoas obterem crédito, que é um elemento fundamental para impulsionar o consumo na sociedade.
Avaliação no STF e risco de insegurança
Como pano de fundo do crescimento dessa modalidade, a constitucionalidade do trabalho intermitente é questionada em processo no Supremo Tribunal Federal (STF). Quatro ministros já votaram (dois pela inconstitucionalidade), mas o julgamento foi suspenso no fim do ano passado após pedido de vista e segue parado na Corte.
Com esse cenário de questionamento na Justiça e algumas críticas do atual governo federal em relação ao modelo, Oscar Frank não enxerga grandes mudanças no avanço do trabalho intermitente. Com certa insegurança sobre o futuro do modelo, parte dos empregadores não usa essa opção:
— Poderíamos avançar mais se não tivesse esse asterisco. Algo mais robusto na geração de trabalho intermitente em relação ao que temos hoje. Essas declarações, visões completamente distintas, prejudicam o planejamento. Torna a questão mais nebulosa e o empresário fica sem saber o que fazer.
O professor Ely José de Mattos, da Escola de Negócios e pesquisador do laboratório PUCRS Data Social, afirma que ainda não consegue identificar um movimento forte de adesão ao trabalho intermitente, porque os números ainda são modestos.
— Por mais impressionante, ainda é um número pequeno. É um movimento mais macro? Acho que não.
ZH
Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS