Na virada do ano, o cenário macroeconômico é marcado por incertezas e expectativas. Sem estimativa de repetir uma supersafra, o que sempre ajuda a turbinar a balança comercial e o crescimento do Brasil, sobretudo no Rio Grande do Sul, onde a dependência da atividade no campo é maior, as projeções apontam para um período de desaceleração.
Entre os fatores apontados pelo economista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Mauro Rochlin, está o cumprimento do arcabouço fiscal. O mecanismo que substituiu o teto de gastos, tornando o controle das despesas públicas mais flexível, foi alvo de manobra meses depois de sua aprovação. E, a julgar pelo orçamento aprovado no Congresso, com elevação de recursos para o fundo eleitoral e emendas parlamentares, será difícil que o país não produza novo déficit no próximo exercício, exatamente quando a meta seria zerá-lo.
— Se o déficit para 2024 superar 1%, a coisa se torna mais difícil. Até se pode falar em câmbio estável. E com uma boa safra, que não será recorde mas estima-se que próxima da de 2023, é algo que pode ajudar. Até agora, a gente só viu intenções, mas não metas sendo cumpridas ou a aplicação do consequente mecanismo, em caso de descumprimento — resume.
Apesar de ressalvar que 2023 demarcará o segundo ano consecutivo em que o Produto Interno Bruto (PIB) terá surpresas positivas, o economista, especialista em contas públicas e ex-secretário da Fazenda do Estado Aod Cunha reforça que 2024 antecipa uma redução da atividade.
Segundo ele, uma das maneiras de reverter as projeções seria avançar com reformas, a exemplo da tributária, promulgada no último dia 21 de dezembro e que ainda precisará de regramentos. Ele destaca as modificações feitas no passado na legislação trabalhista, fator que aponta como um dos prováveis elementos capazes de manter resiliência no mercado de trabalho no país, a despeito dos últimos solavancos da economia.
— Essas reformas, assim como a autonomia do Banco Central, dão pistas de que possam ter surtido efeitos. Ainda é cedo para confirmar estatisticamente, mas o que se vê é um mercado de trabalho ainda aquecido e muita efetividade no controle da inflação — argumenta.
E é do mercado de trabalho que podem surgir as melhores surpresas para o crescimento, já que o consumo em alta é um dos elementos em que se sustenta o crescimento. Sobre outro fator, o investimento das empresas, pairam temores. Isso acontece porque o nível de resguardo das empresas para aportes futuros tem sido reduzido a cada trimestre e a indústria, setor intensivo em contratações e exportações, enfrenta problemas estruturais ampliados pela diminuição da confiança dos empresários.
Para o RS, há expectativa de recuperação
Diante do contexto atual, o economista-chefe da Federação da Agricultura do RS (Farsul), Antônio da Luz, projeta que o Estado terá, outra vez, crescimento descolado do país, mas não por razões positivas. É que o próximo período, conforme avalia, será de recuperaçãosobre desempenhos ruins, provocados por estiagens que dizimaram com a safra do RS.
Da Luz explica que a agropecuária tem efeito multiplicador, ainda mais na economia gaúcha, onde os quatro principais complexos industriais (abates, máquinas e equipamentos, processamento de soja e químicos) têm relação direta com o setor.
— Se o agro vai bem, o Rio Grande do Sul vai bem. Os grãos movimentam a indústria, o comércio e os serviços. A safra não será recorde ou maravilhosa, mas teremos uma safra. Seremos um agro em pé diante de um agro que está de joelhos nos últimos anos — afirma.
De outro lado, assim como no país, o Estado tende a enfrentar, novamente, os desafios fiscais. Com o ano encerrando em meio às polêmicas tentativas de aumento de impostos e decretos com revisão de benefícios, há uma frase do governador Eduardo Leite que define o futuro:
— Acomodar essas despesas no orçamento vai fatalmente punir investimentos e serviços.
O que esperar
1) Cenário externo
Os sinais que chegam dos Estados Unidos indicam taxa de juro estável, por consequência, o encerramento do ciclo de altas, salvo por alguma disparada do preço do petróleo. Se em 2024 for confirmado o início da redução de juros, afasta-se de vez o risco de recessão mundial, que seis meses atrás assombrava os economistas que discutiam o tamanho e a intensidade do problema que ainda é um reflexo da pandemia que pressionou a inflação mundial.
2) Mercado asiático
Por outro lado, a China – principal parceiro do Brasil e do RS – tem problemas fiscais profundos cujo DNA está no setor imobiliário. Esse segmento foi o carro-chefe do gigante asiático, após a crise de 2008, quando passou a concentrar grandes fatias do investimento público daquele país. O quadro é tão desanimador que economistas não consideram uma surpresa caso haja uma revisão das projeções de crescimento de 2023, o que atrapalha o Brasil porque anula a possibilidade de disparada do preço de commodities e de progressão na dinâmica do setor externo, ainda que a balança comercial do país já se aproxime de saldo positivo em US$ 90 bilhões.
3) Câmbio e inflação
Com base no cenário externo, imagina-se câmbio mais estável. No entanto, esse fator também está muito ligado ao controle fiscal interno e ao arcabouço fiscal. Com a ajuda de uma boa safra, ainda que não seja recorde, isso auxilia na manutenção da inflação em patamares baixos, uma vez que sem pressões adicionais sobre o preço do barril do petróleo, pode-se esperar um alívio em combustíveis e alimentos, grupos que, juntos, representam mais de 50% de peso na cesta do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
4) PIB e trabalho
Pelo viés da atividade econômica, a continuidade do ciclo de redução da taxa básica de juro — que também depende do arcabouço fiscal — favorece um crédito farto e mais barato. Este cenário, acrescido de uma inflação mais baixa, ajuda a recompor o poder de compra das famílias. Caso isso se confirme, os economistas não descartam novas surpresas positivas para o PIB.
Ação e reação
Descumprir regras fiscais pode levar a rombos sistemáticos, que exigem financiamento do governo para cobrir déficits. Abaixo, confira três modos, que têm efeitos sobre juros e inflação.
Aumento de impostos
Penaliza a produção. Em consequência, gera efeitos negativos para criar empregos. Com menos empregos e atividade, a produção de riquezas (PIB) do país fica comprometida.
Emissão de mais moeda
Foi causa da hiperinflação no Brasil na década de 1980 e acontece, hoje, na Argentina. Com inflação descontrolada, salários são corroídos e o poder de compra das famílias é reduzido. Há mais dinheiro valendo menos em circulação, o que também reduz a atividade econômica.O remédio contra inflação é elevar juros, tornando o crédito mais caro, o que freia o crescimento do PIB.
Endividamento
Para arcar com esse perfil de dívida de maior risco, investidores cobram prêmios (juros) mais caros. O efeito é alta na taxa de juros, que passa a demandar por mais recursos. O governo deixa de investir em programas para pagar os juros e encargos dessa dívida. Para se ter ideia, por ano, o país gasta R$ 650 bilhões com a dívida, mais do que a soma dos gastos federais em saúde (R$ 240 bilhões) e educação (R$ 180 bilhões), juntos.
Fontes: Mauro Rochlin, doutor em Economia pela UFRJ e professor da FGV, Aod Cunha, economista e ex-secretário da Fazenda do RS, e Antônio da Luz, economista-chefe da Farsul, economista-chefe da CDL Porto Alegre, Oscar Frank, Agência Câmara e Ministério da Fazenda