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Impacto em muitas gerações: enchente pode impulsionar transformações de estrutura e currículos das escolas

A educação foi uma das áreas mais atingidas pela enchente no Rio Grande do Sul – não somente neste ano, mas com os eventos climáticos de 2023. Cerca de 15 escolas da rede estadual seguem atendendo em locais provisórios. Muitas delas ocuparam espaços alternativos, como igrejas ou centros comunitários, que não contam com estrutura adequada para alocar todos os alunos da instituição.

Com isso, a recuperação das estruturas e aprendizagens é uma preocupação urgente. No entanto, para especialistas da área, é preciso avançar e pensar em planos para além deste momento emergencial de restabelecimento. Ou seja, é preciso pensar no futuro, tanto dos estudantes que estão na sala de aula hoje, como das próximas gerações.

Segundo a pesquisadora Maria Beatriz Luce, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a educação gaúcha já estava combalida, especialmente no que diz respeito à infraestrutura escolar. Para ela, é fundamental reinventar processos:

— Temos um grande ecossistema educacional, com prédios datados de diferentes épocas, diferentes governos. Há muitos prédios mais antigos que já estavam requerendo um projeto maior. Em muitos casos, já não vinha sendo feito o trabalho de manutenção necessário.

Somente na rede estadual do RS, são 2.338 escolas. Juntas, as instituições atendem a cerca de 741 mil estudantes. Um exemplo histórico de transformação foi a campanha pela alfabetização liderada pelo governador Leonel Brizola na década de 1960. Com o slogan “Nenhuma Criança Sem Escola no Rio Grande do Sul”, o então governador criou os prédios escolares denominados “brizoletas”.

Na época, foram construídas 4,8 mil escolas, gerando 526 mil novas matrículas. As instituições eram enxutas, com uma ou duas salas de aula e um espaço para o preparo da merenda escolar, a depender da quantidade de estudantes. Décadas depois, o contexto de mudanças climáticas pede nova transformação na estrutura escolar, considerando também o planejamento urbano dos municípios e as áreas de risco de inundação, segundo a professora.

— Me preocupa muito que nós não estejamos tendo uma discussão forte sobre o projeto dos edifícios escolares. Não somente o projeto arquitetônico, mas também a localização das escolas na planta urbana, no mapa da cidade — diz Maria Beatriz.

Escolas resilientes

No momento, o governo do Estado desenvolve o projeto Escolas Resilientes, solução pensada para resolver não somente a questão da infraestrutura escolar, mas também para preparar alunos e professores em caso de novos eventos climáticos extremos.

Segundo a secretária da Educação do RS, Raquel Teixeira, o projeto terá três frentes: infraestrutura, aspecto socioemocional e eixo de currículo. Por meio deste último, serão incorporadas aos currículos informações sobre as mudanças climáticas, de modo a ampliar o conhecimento dos alunos sobre enchentes e seus impactos.

— O que causa desespero na população é não saber o que fazer. Estamos trabalhando para garantir uma infraestrutura mais resiliente nas escolas, além de trabalhar com questões cognitivas de equilíbrio emocional. É importante que os alunos desenvolvam tolerância ao estresse, por exemplo. Ainda estamos vivendo um restinho desse momento emergencial, mas estamos avançando muito na reconstrução — afirma a secretária.

Conforme a secretária, o projeto ainda está em desenvolvimento, com envolvimento da Secretaria de Obras Públicas do RS, que é responsável pela questão estrutural. Ainda não há detalhes sobre as intervenções que serão realizadas nos prédios escolares.

Ensino também precisa avançar 

Outro aspecto que preocupa as especialistas é a questão pedagógica. Somente em Porto Alegre, centenas de estudantes ficaram sem aulas por quase três meses em função da enchente. As redes municipais e estadual seguem trabalhando para recompor as aprendizagens, com o intuito de amenizar a defasagem no ensino. No governo do Estado, a  principal aposta é o programa de Estudos de Aprendizagem Contínua, que já existia e foi ampliado.

No entanto, já havia problemas antes da enchente. Evidência disso são os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), divulgado na semana passada. Nenhuma escola pública de Ensino Fundamental do RS ficou entre as cem melhores do país, por exemplo.

Na comparação com outros Estados, em todas as etapas de ensino avaliadas, o RS ficou atrás de diversas outras unidades federativas. No que se refere aos anos finais, do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, o Estado ficou com a 11ª posição entre as unidades federativas. Entre as turmas de anos iniciais, do 1º ao 5º ano, o RS teve a nona colocação; quanto ao Ensino Médio, ocupou o 10º lugar.

Para a mestre em Gestão Educacional e integrante do Pacto pela Educação, Mônica Timm de Carvalho, é preciso repensar as proposições didáticas e as formas de fazer avaliação – e ambas precisam estar respaldas por uma educação baseada em evidências.

— Temos uma situação muito crítica. Nós nem havíamos concluído os processos de recomposição das aprendizagens que se faziam necessárias em função da pandemia de covid-19. Agora, tivemos essa tragédia que assolou o Estado, trazendo implicações graves na educação. Não podemos ficar apenas no campo das urgências.

Segundo a especialista, falta pragmatismo na educação. Ela argumenta que também é necessário tomar alguma atitude em relação ao déficit na formação de professores no Estado. Com risco de apagão no futuro, o RS tem cada vez menos ingressantes em cursos de licenciatura.

— Essa insuficiência na formação terá impacto em muitas gerações. Precisamos valorizar a carreira do professor e mobilizar os jovens para desejarem ser professores. Sem professor não há desenvolvimento econômico e social no Estado, é a educação que garante a sustentação de uma região — ressalta Mônica.

ZH

Foto: Anselmo Cunha / Agencia RBS

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