Queimadas aumentam alerta de apagões de energia e pressionam preço dos alimentos
Na semana em que o corredor de fumaça dos incêndios no Centro e no Norte se alastrou de maneira mais intensa pelo território nacional, tingindo de cinza o céu e reduzindo a qualidade do ar respirado pelos brasileiros, o governo federal passou a considerar as queimadas oficialmente no escopo da crise climática. O atual cenário é provocado pela maior estiagem da série histórica acompanhada pelo Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden).
E vale lembrar: mesmo que os focos estejam concentrados em Estados como Amazonas, Acre, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia, São Paulo e Tocantins, o que acontece em uma região, a exemplo do que ocorreu no RS em maio, não se limita às fronteiras geográficas e tem potencial para desequilibrar aspectos macroeconômicos do país.
Nesse caso, além de um pacote de medidas emergenciais, prometido pelo presidente Lula, durante visita ao Amazonas, na quarta-feira (11), e que envolve ações contra a seca e a criação de uma autoridade climática nacional, o sinal de alerta está apontado para dois setores que, juntos, respondem por um quarto da atual composição da inflação oficial do país, medida pelo IPCA.
Trata-se dos setores da energia elétrica e dos alimentos. No primeiro, cálculos do Instituto Acende Brasil já indicam que o impacto tem potencial para elevar a inflação em cerca de 0,75 ponto percentual até o final deste ano (veja mais abaixo). No segundo aspecto, o economista da Farsul, Antônio da Luz, explica que, do ponto de vista da produção agrícola, as queimadas combinadas com a falta de umidade podem atrasar o plantio de grãos, o que é sempre uma condição “muito ruim”.
— Até porque o Centro-Oeste brasileiro já vem de uma safra prejudicada por estiagem. Então, um eventual atraso das variedades mais precoces (sobretudo de soja) seria danosa para o setor, do ponto de vista econômico — resume, ao lembrar que, por enquanto, isso não está no radar.
Carne mais cara
Por outro lado, na pecuária, já há implicações e o valor da carne bovina é a preocupação. Primeiro, porque está em queda (no Estado caiu 12%, em ano) e, para subir, acrescenta Luz, “não é nada difícil”.
O segundo aspecto é dado pois parte da retração recente dos custos encontra correlação com a maior quantidade de abates de matrizes. Isso acontece porque a seca afeta a disponibilidade e a qualidade das pastagens e rações, antecipando o período de cortes, em consequência da falta de alimentos para o rebanho. O excesso de oferta, hoje, explica o economista da Farsul, será a escassez de produtos amanhã, o que prenuncia a elevação dos preços em 2025.
— Da mesma forma, frutas, hortaliças, açúcar e café, em razão de queimadas verificadas em plantações de cana e cafezais, já pesam mais no bolso dos consumidores — diz Da Luz.
Pressão na conta de luz
Outro setor diretamente exposto aos efeitos da estiagem, o elétrico, tem o sistema responsável pela transmissão em todo o país abastecido por barragens e reservatórios de água, localizados em quatro regiões. No Norte, com base atualizada no final de agosto, a seca aponta para o segundo pior ano da história. O mesmo ocorre no Nordeste. Já no Sudeste/Centro-Oeste, é a pior margem da história. O Sul, por sua vez, registrou excesso de chuva na primeira metade do ano e não apresenta problemas.
De acordo com Claudio Sales, presidente do observatório do setor energético Acende Brasil, no que se refere às chamadas vazões afluentes, ou seja, a água que entra nos reservatórios para acionar as hidroelétricas e gerar energia (vazão defluente), a situação ainda é confortável em razão da sobra de chuva do ano passado, mas pode preocupar para o futuro.
Ele explica: para evitar a redução dos atuais níveis, tendo em vista que os modelos meteorológicos indicam o prolongamento da seca e o atraso do início da temporada de precipitações, é que o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), decidiu acionar a geração por termelétricas, mais poluentes e onerosas, pois ao invés de água, utilizam combustíveis fôsseis à preço de mercado para gerar energia.
Nesse momento, serão operadas apenas algumas, em caráter preventivo:
— É diferente de você esperar para um momento de agravamento, em que os reservatórios não tenham vazão. Não sabemos o futuro e se será necessário acionar toda e qualquer termelétrica, mesmo as muitíssimo mais caras. Então, a bandeira vermelha, que foi acionada agora, a de nível 1, são as termelétricas menos caras. Faz todo o sentido, quando olhamos para o horizonte mais amplo e percebemos que só teremos alguma certeza na virada do ano para 2025 — pondera Sales.
Risco de apagão
Na sexta-feira (13), os reservatórios de água do Sistema Integrado Nacional (o SIN, que recebe a energia gerada nas 4 regiões) acumulavam 55,6% da capacidade, segundo os dados em tempo real do ONS (Operador Nacional do Sistema). No ano passado, em igual período, estavam acima de 70%. Em 2022, exibiam idêntico patamar. E, em 2021, no pior momento da crise hídrica naquela ocasião, estavam abaixo de 30%.
No atual patamar, não há alertas de desabastecimento, mas como a geração de energia funciona com base em demanda, há riscos, não descartados e monitorados, de apagões. Isso está associado com a baixa potência de geração nos momentos de pico de consumo que se estabelecem, sobretudo no verão.
Por esse motivo, o horário de verão, medida considerada a mais eficaz para deslocar os horários de alta demanda de consumo, voltou a ser considerado. Também é essa a razão pela qual o governo decidiu, desde já, acionar a geração preventiva em algumas termelétricas.
Esse fator fará com que a conta de energia residencial de setembro já sofra um acréscimo, em média, de 6,06%, provocado pela bandeira vermelha — critério de reajuste automático do valor da tarifa quando as termelétricas são acionadas.
Impacto na inflação
Cálculos do Instituto Acende Brasil indicam que o impacto da bandeira vermelha tem potencial para elevar a inflação em cerca de 0,75 ponto percentual até o final deste ano. Isso acontece porque a energia elétrica corresponde a 3,96% da inflação oficial medida pelo IPCA.
Quando se aplica o acréscimo de 6 pontos percentuais referente à bandeira vermelha sobre o preço médio da energia, chega-se a uma elevação de 0,24 ponto percentual, ao mês, no IPCA.
O comércio e a prestação de serviços, explica André Braz, economista da FGV/Ibre, usam a energia das concessionárias e têm os custos afetados pelas bandeiras tarifárias. Dessa forma, dependendo do tempo pelo qual as termelétricas estiverem em funcionamento, pode haver o repasse no preço final dos produtos. Ou seja: quanto mais as bandeiras vigoram, mais elas aumentam os custos de produção e, por consequência, pressionam a inflação.
Além do aperto na inflação, a perspectiva é de que haja retrações de investimentos programados e redução da utilização da capacidade instalada na indústria.
Reflexos no agro
Se, por um lado, o agronegócio não demanda tanta energia, por outro, necessita de muita água, sobretudo, nos períodos de estiagem, para ativar sistemas de irrigação. Os efeitos de eventual redução de safra, ainda fora do radar, também carregam na esteira a elevação dos custos na lavoura.
A absorção de prejuízos ou redução de produtividade pressionariam o preço de alguns alimentos. Este grupo é ainda mais representativo do que a energia na composição do IPCA e responde por 21% do índice cheio.
Alimentos mais caros atingem antes as pessoas de menor renda, o que acaba corroendo o poder de consumo das famílias. Isso diminuiu a compra de outros bens, sobretudo os industrializados, o que é duplamente negativo para o crescimento da economia e do PIB.
Entenda as queimadas
Fernando Mainardi Fan, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) e Recursos hídricos da UFRGS, explica que o fenômeno El Niño tende a elevar as temperaturas médias no Sudeste e no Centro-Oeste do país.
Quando os termômetros demonstram aquecimento acima do normal, a exemplo do que ocorre hoje, indicam que a evaporação das águas e a transpiração das plantas, a chamada evapotranspiração, será muito intensa. Com essa incidência, em um período que já é tipicamente mais seco e sem chuvas na faixa tropical, as evapotranspirações fazem com que o solo, as bacias hidrográficas e os reservatórios fiquem mais secos.
Com menos disponibilidade de água no solo e na vegetação criam-se as condições que propiciam as queimadas:
— Então a vegetação pega fogo com mais facilidade porque ela fundamentalmente não tem tanta água disponível — explica o professor.
Ele complementa apontando que esse mesmo movimento atmosférico fez com que as chuvas descessem em maior proporção à região Sul, na primeira metade do ano, causando o desastre de maio.
ZH
Foto: CBMSC / Divulgação